Tu

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Um dia acordas e estás diferente. Vazia do peito para dentro. Cheia da dor para fora. Enumeras mil vezes na memórias as feridas que não sabes sarar. Psiuuu. Não as queres dizer em voz alta. Enumera-as mil vezes para dentro. Abafas assim o que te doi. E quando estás prestes a rebentar da solidão do teu fardo, choras. As pessoas como tu não deviam chorar nunca. A lágrima expulsa o negro de dentro. Olho para ti e não vejo nada que não seja alvo.

És tão petrarquista que não quero imaginar as nuvens que guardas no peito.

Às vezes frequento-te as carnes e entro em ti. Entrarei? Alguma terei ido fundo o suficiente? Alguma vez me deixarás fazer de ti uma dessas loucas da sociedade? As marginais? As felizes.
Dar-te-ei um dia a felicidade que julgo saber dar. A ti. Só sei tentar por ti.

A infância foi há muito tempo. Passamos sem parar no fim dela. Adormecemos e acordámos tão adultos que doi. Agora tomamos decisões e eles já fazem pouco por o que temos que ser.
A mãe viveu para ti e, agora que já não vives dela, o que é dela? É pouco. Vive da tua sombra que já não sabe viver sem cuidar de ti. Mas creceste. Ela já não te percebe. Não precisas dela como é agora. Quere-la de volta. Como era. Antes de o deixar de ser. Queres a mãe quando era mãe. A sombra dela não te basta. Ela já te deu sol.

E que dizer dele? Corrigiu o castigo da vida fazendo-se teu pai. Foi. Pai. Mais que isso. Amou-te nestes anos com a fé que serias uma estrela a cintilar. Agora és um astro. Luminosa. Bem sei que te vejo com olhos diferentes. O amor muda o olho. Mas sei que brilhas. Agora que és a estrela que ele desejou e sabia , ele já não tem o telescópio virado para ti. É uma memória viva. Mas no peito, sabes ainda o tem, no peito, ainda mora o mesmo amor por ti.

Todos te amam ainda mas agora és tu que tens que cuidar deles. É uma benção ser amada , sabes?

É uma maldição crescer até ter consciência que contamos conosco para embalar quem nos fez crescer. Um dia sem aviso somos adultos. E ser adulto é escolher. Escolhemos sempre o melhor mesmo quando não sabemos o que é melhor.

Agora chego eu. Prometo dar-te a lua. Exagero. Sou poeta. Só pedes que não te falte com o ombro. É óbvio que o ombro não falta, nem o beijo, nem a percepção do riso forçado.
De ti não quero menos que tudo. Aceito amar as tuas dores até te lamber as feridas. Quero que mas passes. que dividas em dois o sofriemento. Aceito amar os teus sorrisos. São tão bons. O bom em ti vale a pena sempre.

Perguntas se me desiludo. Se me farto. És humana e tens dores. Para mim és divina. Não disse já tudo?