Os amigos em crise
Uma sente-se vazia. Tem a profissão que quer mas mais trabalho do que queria. Ganha bem, tem família e amigos. Sente-se vazia. Diz que não seria um namorado que a completaria mas eu penso que sim. Sente-se vazia e esse vazio não o sabe explicar, o ser-humano sente sempre o vazio, é esse o seu prémio dado pela criação e também a sua maldição.
Há um que se sente negro. Todos os dias é negro por dentro e por fora. Esqueceu-se de como sorrir e está perdido, grande num mundo pequeno. Uns dizem que é preguiçoso de mais para respirar, não sei, vejo apenas que está negro e lhe falta o ar.
Uma tem todas as qualidades para ter sucesso menos a sorte de o ter. Ser inteligente, trabalhadora e bondosa não basta num mundo onde a sorte decide tanto. A incerteza é certa.
Outro tem um coração tão grande que o sufoca. Orgulhoso, apaixona-se e vive com tanta intensidade que a sua grandeza assusta o objecto do seu amor. Ama, ama como está escrito no manual e parece que já ninguém quer ser amado assim. Tristão dos tempos modernos, deixa uma Isolda menor tratar de ti.
Outra não sabe da vida o que lhe pedir. Forasteira, vive entre o sul e o centro apaixonando-se por terras que não são suas. Perdida, não sabe escavar até encontra a bússola. Quem ama a doença não merece a cura.
Ainda há a que voltou ao ventre apenas para perceber que já lá não cabe.
E de muitas outras dores poderia falar de entre as ordas de amigos que tenho mas não quero enumerar aqui todos os males que um humano pode absorver pois também eu, escrivão guardo em mim algumas crises para, me sentir de quando em vez um pouco humano.