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Ante o frio

faz com o coração

o contrário do que fazes com o corpo:

despe-o

Quanto mais nu,

mais ele encontrará

o único agasalho possível

-um outro coração



Mia Couto

A sombra

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Depois de ti como voltar a confiar na raça humana? Depois de ti como me pode soar verdadeira cada palavra do dicinário do amor? Julgava-me um homem pleno naqueles dias e hoje julgo-me tão miúdo na miudeza da sombra de tudo aquilo. Depois de ti como acreditar que os contos de fada ousam saltar para a fealdade negra deste mundo a preto e branco?

Depois de ti como posso frequentar um corpo? Faze-lo suar? Esgota-lo e no fim pensar que que quero ficar ali e continuar as carícias? Depois de ti porque ficar junto dos despojos do prazer?

Depois de ti para quê correr rumo ao telemóvel que apita furioso? Já não há voz que me faça vibrar como a tua fazia. Depois de ti todas as vozes são iguais e todas as palvras boas ou más soam ao mesmo.

Depois de ti para que tentar? Para que passar do beijo à mão dada? Para que passar da cópula furiosa ao beijo? Para que preocupar-me? De que vale por alguém à minha frente no espelho.

Depois de ti como posso pensar em amar senão pela certeza de que a tua dor não foi a última.

A rotina

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Acordas já cansada e o dia ainda não começou a dar-te luta. Escolhes a roupa bonita e brilhante que te cubra as dores e lá vais para o carro. Ouves aquela música que já te fez dançar mas agora é a banda sonora da "poesia dos dias iguais". Chegas mas já queres partir.

Foi isto que escolheste mas nós nunca sabemos realmente escolher até provar duas vezes tudo. Trabalhas até estat esgotada mas antes de ir trabalhar já estavas esgotada. Puxas do carinho que tens e da qualidade que és e fazes o trabalho. Mentalmente queres que o relógio marche em fúria para o fim do dia. E quando chega o fim do dia ainda assim não tens o que queres.

Curiosa a rotina, fazes força para que chegue o fim do dia e no fim do dia ainda te falta alguma coisa, não é?

Depois pensas que a vida não é só isto mas não tens forças para mais. Até tens dinheiro mas só compras coisas rídiculas que não te fazem falta. Até tens amigos mas eles já não te servem. Até tens uma boa família mas não são eles que te elevam nestes dias.

Até tens a vida toda pela frente mas tás cansada, não tás? Tens saudade. Dos tempos de criança onde a inocência era tão doce, do secundário onde bebeste pela primeira vez onde o teu corpo te mostrou o céu e da universidade, cabou há pouco tempo mas afinal já foi noutra vida.

Agora és adulta e não sabes realmente o que fazer com isso.

Talvez apaixonar-te. Não será esta uma boa solução? Talvez sim. Se ao menos pudesses voltar acreditar que vale pena juntar o corpo suado e o coração empolgado á mão de um cavaleiro andante. Acredita. A vida é sempre mais do que isto. A vida é viver.


PS: este texto é apenas para uma pessoa, mas aposto que mais se sentem assim.