Um modelo de balão

1 comment
Olá eu sou o João, tenho quatro anos, a minha cor preferida é o laranja e vivo na rua. A minha mãe diz que sou uma cabeça no ar e nunca tenho os pés assentes na terra. Ás vezes sinto-me preso e prestes a rebentar, não sei se é por estar a atravessar uma crise existencial, dizem que a adolescência é uma fase é que nos sentimos incompreendidos. Mas esperem, não pensem que sou precoce, eu sei que para vocês que me estão a ler, a adolescência começa aos catorze anos. Já agora, talvez seja relevante eu dizer que sou um balão.
Toda a minha vida, vivi com os meus pais. A minha mãe chama-se Mariana, é vermelha e tem a forma de um coração. Já o meu pai, chamado Simão, é amarelo e em forma de Sol. Dessa mistura nasci eu, João balão, cor de laranja e ainda ando à procura da minha forma. Tive uma infância feliz até me aperceber da difícil vida que tinham os balões. Para quê estar vivo se um dia me vão encher até rebentar? Para quê estar vivo se um dia me vão largar?
Na semana passada, o meu pai foi comprado por um turista italiano. Desde então nunca mais o vi e só recebo notícias dele, pelos balões modelo da loja Gucci aqui ao lado que vão a Roma todas as semanas. Dizem-me que está bem e a viver em casa de um menino simpático. Desde que o pai for embora, a mãe Mariana anda com falta de ar. Está tão magrinha. Diz que se me portar bem, no Verão podemos apanhar o vento das cinco e meia para o ir ver o pai, isto é, se o senhor António nos der férias.
O senhor António é o nosso patrão, já vivemos com ele há dois anos e gosta tanto de nós que não nos quer vender. Só vendeu o pai porque estava com problemas de dinheiro e sabia que eu precisava da mãe. Nós vivemos na rua, mais precisamente no Chiado, junto à Brasileira. Estamos sempre lá quer faça chuva, quer faça sol. No Verão sabe bem dormir na rua, e ver todas aquelas animações de fogo e as pessoas grandes e pequenas bem dispostas nas esplanadas a beber bebidas frescas e a comer gelados. No Inverno, com chuva, custa um bocadinho, mas o senhor António preocupa-se connosco e arranjou-nos um abrigo. Gosta tanto de mim, que quando fiz três anos ofereceu-me um fio às cores para me prender à sua mão.
Aquele dia que começou com chuva, era o prenúncio que algo não ia correr bem. Assim que vi o Adolfo, aquele miúdo gordinho vestido de preto, fiquei com arrepios. Viu-me na rua e fez uma birra tão grande que fez com que a mãe oferecesse vinte euros por mim. O senhor António cuja única riqueza era a bondade, ficou reticente e ainda tentou vender o Gaspar, o balão florescente que lhe fazia mal à vista. No entanto, Adolfo não desistia e continuava com aquele choradeira ensurdecedora. A muito custo, lá me despedi da minha mãe e fui agarrado à mão gorda daquela criança irritante. O quarto de Adolfo era uma sala de tortura para balões, tudo ali representava um perigo para mim. Desde o princípio que via pontas afiadas prestes a rebentar-me. Confesso que cheguei a preferir isso. Passado três dias, eu já fazia parte do passado e fiquei arrumado a um canto do quarto, o Adolfo tinha arranjado outro entretenimento.
Um dia Gertrudes, a empregada de Adolfo, veio limpar a confusão do seu quarto e pendurou-me na janela. Com a força do vento, fui cuspido lá para fora e voei para a liberdade que pensei já não recuperar. Andei por aí perdido e consegui ir parar de novo às mãos do senhor António, que me disse que o turista italiano que comprara o meu pai, tinha voltado para comprar a minha mãe. Fiquei sozinho com o senhor António por mais uns dias, até chegaram no final de mais uma semana, os balões da Gucci com novidades para mim de que os meus pais estavam bem mas preocupados comigo. Fiquei assustado e pedi-lhes que me levassem com eles para a semana. Para minha grande tristeza, nada podiam fazer porque o rigor da Gucci só aceitava balões brancos e pretos. Foi então que me disseram que a Benetton estava à procura de representantes balões para ir até Itália. Assim foi, no meu intervalo de almoço, fui até à Benetton que fica ali pouco abaixo da Brasileira e inscrevi-me. Eles aceitaram-me logo porque como eu ainda não tinha formas, podia-me transformar em quase tudo. Viajei até Roma, no vento das sete que é o mais rápido e procurei pela casa que os modelos da Gucci me indicaram. Cheguei a uma casa enorme, com imensos andares, com um pátio cheio de flores e com umas crianças a brincarem que nada tinham a ver com o Adolfo. Lá estavam eles á janela, o meu pai grande e redondo e a minha mãe enternecedora com um coração nas mãos como se soubesse que eu vinha. Agora estou feliz. Continuei a trabalhar para a Benetton, mas passei a ter mais cuidado com as minhas formas, o que é difícil com todas estas tentações de Roma. Porta sim porta sim há uma gelataria e a todas as esquinas uma pizzaria, um balão também não é de ferro. Em Roma cresci e encontrei as minhas formas e agora sim faz sentido voar até chegar o dia de rebentar.

1 comment

Anonymous 02 January, 2007 08:59

Só mesmo tu para me fazeres recordar os velhos tempos com saudade!Neste momento, também tu és um balão a ganhar forma... vais ver que daqui a pouco tb voas livre, com todo o sentido!