Cromos da Taberna

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Cresci junto à taberna do Avô Chaveiro que me faz falta há dez meses. Na taberna sempre existiu uma atmosfera única. Os trabalhadores da terra que se juntavam para a cerveja matinal antes do trabalho e para a vespertina antes de ir para casa, os estrangeiros que bebiam com curiosidade os copos de bom vinho português por uma pequena moeda, os conversadores que só bebiam para conviver e alguns curiosos que entravam em anos passados quando entravam numa das portas. Sempre existiram também os cromos da casa.


O Tenente Silva, Sábu ou Florindo era o tocador de sinos (até o raio do padre se rendeu à electrónica e o Sábu perdeu os trocos que ganhava a tocar sinos). É uma pessoa de lenta compreensão mas de rápido beber e ainda mais rápido e alarve comer. Não poucas vezes o vi almoçar duas ou três vezes de seguida com igual apetite. Desde que não tivesse que pagar. Tem também um fabuloso sentido de oportunidade como na vez que deu os parabéns a uma viúva no funeral do marido em vez das condolências.


Entretanto uns cromos desapareceram. O Ti Manel Torto (corcunda e logo baptizado pela maldade popular) que era o único portista da terra e que cedo faleceu. O Joaquim do Ferro que era "marot0" para os rabos-de-saia mas paciente para a criançada e era um mestre a trabalhar o ferro. O Ernesto do Cajado que se sentava ao canto, havia o Dioníso que era, digamos, uma doninha.


Hoje desceram à terra o Joaquim das Charnequinhas e o Antónios dos Pereiros. O Joaquin era um baixinho que há anos a fio desafiava a sorte conduzindo uma sofrível motoreta com álcool a mais do que combustível. Vendo-o sempre pensei que a mota o levasse a casa como no caso dos cavalos dos "cowboys". Ontem foi atropelado.


O António dos Pereiros era "endireita". Com olhos de criança viu-o fazer coisas fantásticas e curar pessoas em 5 minutos com as suas mãos. Não era magia, era conhecimento anatómico, mãos fadadas e fé dos clientes. Nunca pedia dinheiro mas recebia tantas gorjetas que era dos mais ricos homens do Cercal.


Vai-se pouco a pouco dissipando a memória da Tasca do Chaveiro onde tantos beberam nascimentos de filhos, mortes, vitórias e tristezas.